quinta-feira, abril 05, 2007

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



POEMA EM LINHA RETA - Álvaro de Campos


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
----
Quem são as pessoas? Meses atrás eu conheci o lado negro de pessoas de quem acreditava ser amiga. E quando li essa poesia, eu me senti como o autor, alguém que é vil cercado de pessoas cheias de virtude, tão cheias de virtude que não se sabe de nenhum defeito. É como se os defeitos fossem tantos e tão graves que se algum desses viesse à público, seriam como um atrativo para que todos eles fossem tornados públicos.
É inacreditável pensar que algum ser humano pode ser somente virtude, e mesmo assim as pessoas tecem elogios àqueles que "não possuem defeito algum"...
---
Um gato preto como imagem pode levar a alguma reflexão tb...

2 comentários:

Fernando Bizzarro Neto disse...

!!!!!!!

que crise minha querida...

a poesia é fantástica pelo menos

bjus

Sydnei Melo disse...

Vixi...
É cauteloso e complicado... a gente precisa ter consciência de que tendemos ao endeusamento... Se não, a decepção se posta brutal e longilinea.
bjao